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terça-feira, 12 de abril de 2011

O Olhar no Outro

As avaliações de fim de ano sempre me fazem observar melhor os alunos, porque as salas ficam mais vazias, em função dos que já foram aprovados. Assim, percebo sinais, diferenças, gestos e comportamentos, que só nessa época ficam perceptíveis, talvez porque meus alunos se encontrem vulneráveis, amendrontados pelo pavor de uma possível reprovação. 

O olhar no outro não significa penetrar em sua alma, porém aprender a olhar é algo tão sublime, quanto difícil, pois requer desprendimento, para que possamos ver, no outro, aquilo que tornamos oculto em nós, por criarmos uma cerca que nos protege, mas que, ao mesmo tempo, afasta-nos, limitando nosso entendimento em relação não só à fragilidade alheia, mas também à nossa. 

Olhando e observando pessoas, podemos sentir o quanto de nós existe no outro. E quando nele percebemos nossas falhas, inúmeras vezes as apontamos como se fossem, sem dúvida, algo que abominamos, que nos tira do sério ou que jamais tenhamos praticado. De outra forma, ver-se no outro é tarefa que conduz a uma reflexão perigosa, se não estivermos preparados para mudanças. O que não gostamos no outro, não deveríamos apreciar em nós, porque é óbvio que, por sermos mais velhos, tornamo-nos modelos de alguém, seja ele nosso filho, amigo, cliente, vizinho, aluno ou até um mero desconhecido que nos observa e, sem nunca dizer nada, repreende nossas atitudes também com o mesmo olhar a que nem sempre estamos atentos.

Outro dia, dentro de um ônibus que me levava ao Centro, analisava cada um dos passageiros. Lógico que, além deles, também faziam parte da viagem vendedores de tudo o que se imagina. Atenta ao discurso decorado desses vendedores, observei suas estratégias, emoções, comportamentos, abordagens e olhares. Parece incrível como aprendemos com o outro, quando nos desarmamos e nos dispomos a aceitar limitações. 

Além disso, quando nos deparamos com alguém doente, fragilizado por uma enfermidade sem cura, percebemos que jamais lhe demos a mínima oportunidade, julgando-o de forma rude, profunda e arrogante. E o olhar de alguém enfermo diz tanto, que não são necessárias palavras para expressar dor, medo, despedida e, em muitos casos, arrependimento, mesmo parecendo tarde demais. Deveríamos, pois, aprender a olhar de forma mais complacente nosso próximo, antes que ele adoeça e se mostre tão frágil... 

Muitos carregam no olhar a doçura que nos falta para amenizarmos nossa vida. Mesmo em nossa profissão, quantos de nossos alunos nos olham com súplica e, por estarmos blindados, desprezamos a chance de aprender com eles, de mergulhar num ocenao de dores, anseios, dúvidas e alegrias, que resgatam um pouco da infância perdida dentro de nós. Olhar mais atenciosamente esses alunos seria como voltar aos bancos escolares, em busca também de um olhar, que talvez jamais tenha acontecido. 

Quando alguém nos surpreende com esse olhar, nosso interior se farta de uma enorme felicidade. Logo, precisamos desfrutar de um momento tão pleno, porém tão efêmero. Há muito que aprender com o olhar. Saber olhar é talvez conhecer a si mesmo. É entender como funciona a natureza em harmonia com o homem. É aceitar o outro, sem medir cargos ou salários. É, quem sabe, nortear o homem, sem o exagero das palavras que, muitas vezes, ferem e ficam para sempre nos ouvidos de quem talvez necessitasse somente de um olhar, para entender o bem e o mal. O olhar no outro deveria tornar-se um espelho para que, a cada passo em falso, pudéssemos ter a chance de voltar e olhar novamente, como quem busca não a perfeição, mas o desejo de entender tudo aquilo que faz parte da essência humana.

 (Bernardete Ribeiro - 2006)

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